Meu nome não é Djêimis

Acredito que, a essa altura do campeonato, já é possível visualizar o tão alardeado legado da Copa. Claro que o quadro, nem sendo tão feio nem tão agradável quanto pintado por defensores e detratores, é absolutamente diferente de qualquer previsão. Entre os entusiastas da copa, agora ampla maioria, destaca-se a possível maior integração entre a América Latina, que seria causada pela maior convivência entre os povos durante o Mundial do Brasil. Exagero a parte, ao menos uma coisa há de se admitir, depois da Copa, muitos brasileiros restarão sabendo que o J em espanhol tem som de R, graças ao jogador James (pronuncia-se "Rames") Rodríguez, do selecionado colombiano.

A confusão com o nome do meio-campista do Monaco (pronuncia-se Monacô, pois é francês) não vem de hoje e não é causada meramente pela ignorância da língua de García Márquez. Narradores e comentaristas já divergiam, sem debates, sobre a forma correta de pronunciar o que estava escrito em suas escalações dos jogos da Ligue 1 (Campeonato Francês), porém a ampla maioria pronunciava "Djêimis". Nenhuma novidade, pois uma boa parte da imprensa não sabe como pronunciar palavras que fogem ao seu vocabulário, mesmo que em português, se elas não contiverem acento.
Fonte: ESPN
Quando se trata de palavras de língua estrangeira, o bom senso diz que você deve pronunciar na língua original ou "aportuguesar", adaptar para a língua local. O problema é que no Brasil isso não acontece. Na maioria das vezes, a gente adapta à língua inglesa, talvez por nossa eterna herança colonial, agora submissa ao american way of life.

Claro que existem casos que são forçosamente distorcidos, para não gerar cacofonia, como no caso do jogador Shingi Kagawa (japonês). Todos pronunciam "cagaua", mas "Kawasaki" (a motocicleta) tem o W com som de V, o que é o correto em palavras de língua japonesa. Há também os casos de palavras que primeiro apareceram em países de língua inglesa, para só depois aparecerem por aqui, e vieram com a pronúncia "inglesada", como wasabi.

A pronúncia do nome de James (Rames) não é o primeiro caso intrigante de indefinição linguística (fonética) da história do esporte na imprensa brasileira e creio não será o último. Mesmo não sendo lógico, visto de fora, pronunciar-se Djêimis (inglesado) o nome de um cara que nasce na Colômbia, onde se fala espanhol, joga em Mônaco, onde se fala francês e está sendo pronunciado no Brasil, onde se fala português.

Para quem mora aqui, vive nos grandes centros, tem escolaridade e pertence a uma classe de média para cima, a pronúncia inglesada não só não é estranha, como soa a mais natural possível. Tanto que algumas palavras escritas em português são lembradas, muitas vezes, pela sua pronúncia em inglês. Quer um teste? pronuncie as seguintes palavras:

Face
Game
Trace

Se sentiu tentado a pronunciar em inglês? Pois é...

Existem casos contraditórios, como no nome de dois time alemães, que são também nomes de cidades. Como você pronunciaria Hannover? Os narradores chamam comumente pela forma inglesada, com o H tendo um som de R. Já em relação ao Hamburgo, outro time alemão que também leva o nome de sua cidade (Hamburg), os jornalistas esportivos empregam o H mudo. O correto é "Hanôver" e não "Ranôver"

O caso mais tosco, para mim, ocorreu em um amistoso entre Brasil e Portugal, dois países que dividem a mesma língua. O que poderia dar errado em termos de confusão linguística? Um narrador que desconhece a própria língua. O narrador passou metade do primeiro tempo pronunciando errado o nome de Nani (Pronuncia-se "Nani" e não "Nâni" ou "Nane"). Era Nâni pra lá, Nâni pra cá... e entra o repórter de campo: ... o jogador Nani (o "i" puxa a sílaba tônica para o final, tornando a palavra  um oxítono) joga no Manchester United, onde jogava o Cristiano Ronaldo... E ao final é bruscamente interpelado pelo narrador ufanista: "mas o nome dele afinal é Nani ou Nâni?" E responde o repórter: "é Nani". E o narrador retruca: "mas como pode ser Nani? Ele não é francês. Ele têm descendência francesa?" O repórter prontamente negou.

Claro que o narrador desconhece a prosódia da língua... Mas quem conhece??

No Brasil, principalmente em nomes próprios, é amplamente aceito os estrangeirismos, inicialmente pela nossa multi-colonização e posteriormente pela influência dos filmes e séries originárias dos Estados Unidos. É bastante comum encontrar nomes e sobrenomes que desobedecem às normas linguísticas. Na nossa própria seleção, podemos citar:

Nome - Pronúncia
Scolari - Escolári
Hulk - Rúlque
Maicon - Máicon
Willian - Uíllian
Maxwell - Mácsuel
Jefferson - Jéferson
Victor - Víctor

Se não respeitamos nem os nossos nomes, como estabelecer regras para nomes estrangeiros? Impossível! Eu mesmo, devido a um tabelião semianalfabeto, sou obrigado a assinar Ailton em vez de Aílton.

Voltando ao tema central, a primeira confusão que eu vi com a pronúncia do nome de James foi em um programa esportivo matinal, de uma TV por assinatura, no dia do primeiro jogo da Colômbia. Um ex-jogador colombiano, fazendo as vezes de comentarista, ouvia atentamente o debate em torno dos jogadores do selecionado sul-americano... Era "Djêimis" pra lá, "Djêimis" pra cá... e o colombiano estava com cara de "num tô entendendo nada" quando alguém perguntou para ele o que ele achava do Djêimis e ele retrucou: Quem? e o outro diz: O Djêimis Rodríguez. E ele: Ahhh... O "Rames" (cara de alívio)... É muito bom jogador...

Depois do jogo, um repórter de outra emissora vai entrevistar o meia e o chama de Djêimis, quando o jogador responde: "Mi nombre no es Djêimis, es James". Desde então, os nomes se alternam na boca dos jornalistas: Djêimis, James (do jeito que está escrito, em português), Rames, Jêimis, etc.

Não sei se isso (a falha na prosódia) é um problema para nós, colônia carente em busca de um a metrópole acolhedora, mas que dificulta a transmissão da informação escrita, ah isso dificulta.

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