Tapando o sol com grades de aço.


Sobre a redução da maioridade penal.

A verdade as vezes é indigesta. Mentiras normalmente são mais cômodas, pois a verdade tem que ser explicada, em vez de alimentada com mais e mais mentiras. Seria isso um contra senso? Pois é, é muito mais fácil você ficar escravizado por uma mentira, e passar o resto da vida alimentando-a, que simplesmente explicá-la. Talvez seja porque, para explicarmos, tenhamos que descer do nosso pedestal do orgulho e do status. Uma mentira fica só entre nós e nossos botões e no máximo entre amigos (cúmplices).

Pois uma dessas mentiras está sendo realimentada agora diante de todos. Há uma campanha generalizada tentando mostrar que grande parte do problema da violência viria do envolvimento de menores de idade nos crimes, logo a redução da idade limite de condenação penal faria parte da solução. Se analisarmos calmamente os fatos, sem o frisson causado pela mídia, veremos que a participação de menores em crimes não é causa, e sim conseqüência da banalização da violência e do descaso com que nossas crianças são tratadas, não só pelas autoridades, mas dentro das próprias famílias. Tentam nos convencer que a redução da maioridade penal terá efeitos práticos na redução da criminalidade.

Felizmente esse tipo de “argumentação” tende a se tornar inócua quando entra em cena um debate sério e abrangente, como foi o caso do referendo do desarmamento. Naquela ocasião, poucos meses antes de começarem os debates televisivos sobre o tema, pesquisas apontavam em torno de 80% de SIM (à proibição da venda de armas) e pouco mais de 10% de NÃO. Logo os principais argumentos a favor da proibição foram caindo. Primeiro o que dava conta que a maioria das armas em mãos dos bandidos era proveniente da população(compradas de forma legal). Na verdade elas vêm do tráfico internacional de armas, da corrupção policial e das forças armadas. A queda desse primeiro argumento tornou o segundo sem sentido, pois se a maioria das armas não são compradas legalmente, a proibição da venda não reduziria os índices de violência. O NÃO ganhou com quase 64%. Mas vamos voltar ao nosso tema.

Outra tentativa de distorcer os fatos é falar que crianças e adolescentes infratores ficam absolutamente impunes. Não é verdade. Os que assim se pronunciam, parecem desconhecer a lei, ou então a desconsideram. Eles tecem seus comentários baseados em notícias vinculadas em uma mídia superficial e sensacionalista, que visam primeiramente à audiência, em detrimento ao total esclarecimento dos fatos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece sete níveis de punições para os menores. Elas vão de uma simples repreensão, para aqueles que cometem pequenos deslizes, até a privação da liberdade em instituições sócio-educativas, para os que cometem atos infracionais mais graves. Nessas instituições, os jovens cumprem pena, aprendem ofícios e são orientados a ter comportamento diferente ao ganharem à liberdade. Temos que admitir que isso não tem funcionado bem no Brasil, o que é um erro muito grave de administração. Na verdade, as instituições de recuperação do menor têm funcionado como verdadeiras prisões onde, ao invés de recuperar, se aprimoram futuros criminosos. Mas achar que a solução seria jogá-los em presídios é tapar o sol com uma peneira.

O ECA não está sendo cumprido. O que fazemos? Revogamo-lo? Criamos novas leis? Emendamos a constituição? Atualizamo-lo? Fazemos com que funcione efetivamente? Creio que o mais sensato seria responder afirmativamente as duas últimas perguntas. Se uma lei trata especificamente a matéria, é em cima dela que devemos nos debruçar dias e noites para que ela seja a mais condizente possível com os princípios que a geraram. Claro que a reforma do código penal é necessária, entre outras medidas legislativas e administrativas, mas não cabe aqui essa análise no momento.

O que devemos fazer é tirar nossas crianças das ruas e colocá-las em escolas, onde seu desenvolvimento possa ser acompanhado permanentemente. Com isso, poderemos trabalhar o comportamento delituoso na sua gênese. Agindo assim, evitamos que as ousadias juvenis, tão normais em uma idade em que desafiamos e testamos os limites do mundo a nossa volta, se transformem, no futuro, em crimes. Longe da influência dos bandidos, essas crianças tornar-se-ão cidadãs e não cadetes do crime. Ao contrário, atacando-se os efeitos e não a causa, como querem os defensores da redução da maioridade penal, a violência continuará existindo. Tanto fará se a idade penal for 18, 16, 10 ou até mesmo que sejam expedidos mandados de prisão para crianças de três anos de idade. Aliás, creio que isso já foi feito.

Comentários

Anônimo disse…
Excelente reflexão...parabéns...
Unknown disse…
Grande Ailton! Parabéns pelo texto e pelo blog.. irei frequentá-lo sempre!

ahhh.. minha opinião é contrária a sua nesse ponto!

Marcelo Bergantin
Andréa Francos disse…
Ailton, você está de Parabéns!! Brilhante reflexão...

Concordo com o conteúdo de seu texto. Acredito que somente reduzir a idade penal não resolverá o problema...
Para que essa violência toda seja amenizada é necessário investir pesado em Educação, e, principalmente na educação das crianças carentes, carentes de afeto familiar e de uma base consistente.
É pura ilusão acreditar que somente a redução é a solução!!
Faz-se mister que haja a participação do Estado juntamente com a sociedade, e que eles unam-se e busquem políticas reais e de prevenção, e, não de repressão, para que esse cotidiano que vivenciamos e vemos todos os dias na Tv e em nosso bairro ou cidade, seja resolvido ou pelo menos amenizadoo...

Boa sorte!!E mais uma vez Parabéns!!

Deinha

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